Não é novidade que a sexualidade da mulher foi esquecida durante muitos anos e lembrada apenas quando relacionada à reprodução. Seguindo esse raciocínio, se a mulher heterossexual já enfrentava seus problemas relacionados a sua sexualidade temos o seguinte questionamento: como a sexualidade de mulheres que transam com mulheres foi interpretada ou acolhida pela sociedade, já que elas teoricamente não serviam para a sua “função” de reproduzir?
Somente em 1997 a comunidade LGBT no Brasil conseguiu se desprender de antigas amarras sociais e admitir para si mesmos e para a sociedade que eles existiam e que sua orientação sexual não mudava quem eles eram como pessoas, oficialmente chamada como “A Parada do Orgulho Gay”. De lá para cá muito tem se evoluído, preconceitos têm sido quebrados, mas infelizmente ainda continuamos uma sociedade heternormativa e precisamos entender a gravidade disso quando falamos em questões salariais, incluitivas e até mesmo no âmbito de saúde. A invisibilidade dessas pessoas nos consultórios médicos estão as deixando doentes.
Os profissionais responsáveis pela saúde da mulher, por muitas vezes, não têm sensibilidade de acolher mulheres que tem relações homossexuais e fornecer informações importantes sobre ISTs (infecções sexualmente transmissíveis) baseadas em seu contexto. Isso leva adiante crenças errôneas como a de que mulheres que não se relacionam com homens não precisam ir ao ginecologista e estão “imunes” às ISTs. Um estudo realizado no Brasil em 2017 com mulheres que transam com mulheres constatou presença de alguma IST em 47,3% das participantes, o mesmo estudo apontou que idade inferior a 24 anos etnia e não branca possuem mais que o dobro de risco de contrair ISTs. A urgência em se falar sobre essa temática está justamente nesses números e evidencia que quando juntamos o preconceito com minorias há uma piora do quadro.
O primeiro passo para reduzirmos o percentual de ISTs nesse grupo está em entender que elas não escolhem orientação sexual e sim prática sexual. Logo, todos que se relacionam sexualmente de alguma forma com parceira ou parceiro estão sujeitos e devem tomar cuidados, sendo assim, não tem como falarmos de prevenção de doenças sem falar sobre a importância do acompanhamento médico. A consulta ginecológica periódica é indispensável para todas as mulheres e independe da orientação sexual, ela deve ser acolhedora, sem julgamentos e precisa ser analisado risco de doenças e fornecida informações de cuidados, individualizando e se adequando ao contexto de cada mulher.
Quais Doenças podem ser contraídas?
Doenças sexualmente transmissíveis podem acontecer no contato com pele, mucosas, fluidos vaginais, sangue menstrual e compartilhamento de acessórios. É importante esclarecer que nem todas as ISTs são rastreadas por exames de sangue, logo, exames laboratorias sem alterações não significam ausência completa de ISTs e nem por isso a paciente pode se descuidar. Estão entre as de maior ocorrência:
- – HIV, Sífilis e Hepatite B e C: são doenças que podem ser rastreadas periodicamente por exame de sangue;
- – Clamídia, Gonorréia, Micoplasma e Ureaplasma: é necessário colher material da secreção vaginal para diagnosticar, apesar da triagem dessas doenças serem recomendadas pela Febrasgo (Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia) não costumam ser feitas rotineiramente;
- – HPV (PapilomaVírus Humano): é um vírus que pode causar verrugas na vulva e na vagina, mas também pode ser completamente assintomático. Além de causar verrugas esse vírus pode causar lesões precursoras de câncer de colo de uterino e é isso que justifica a importância em se realizar o exame preventivo, também conhecido como papanicolau, na frequência solicitada pelo seu ginecologista.
- Vacina HPV
- É importante ressaltar que existem mais de 200 subtipos de HPV, no entanto, existem subtipos específicos que apresentam maiores riscos. Os subtipos 16 e 18 são mais responsáveis por lesões precursoras de câncer de colo de útero enquanto os subtipos 6 e 11 são mais relacionadas às verrugas genitais. Atualmente existem 2 tipos de vacinas disponíveis no Brasil:
- – Bivalente: prevenção contra os subtipos oncogênicos (16 e 18).
- – Tetravalente: prevenção contra os subtipos oncogênicos (16 e 18) e contra os principais causadores de verrugas genitais (6 e 11). É a vacina oferecida pelo SUS (Sistema Único de Saúde) para meninas dos 9 aos 14 anos.
- – Nonavalente: prevenção contra os subtipos (16, 18, 31, 33, 45, 52 e 58) que podem causar câncer de colo uterino, vulvar, vaginal e de ânus, oferece também proteção contra principais causadores de verrugas genitais (6 e 11).
- OBS. Mesmo que a mulher já tenha se infectado com o HPV em algum momento a vacina sempre será recomendada, visto que possuem muitos subtipos do vírus e mesmo que tenha adquirido imunidade a aquele sempre existe a chance de se reinfectar com outro subtipo.
- Atualmente não existe nenhum método de proteção pensado especificamente para o sexo entre vulvas e para o sexo oral-vaginal. Porém, existem algumas atitudes e alternativas que podem tornar o sexo entre mulheres mais seguro:
- – Usar preservativo masculino nos acessórios, trocar o preservativo se for compartilhar com a parceira além de fazer uma higienização correta após a relação.;
- – Camisinha feminina: mais indicado durante a penetração pois não protege completamente a vulva;
- – Camisinha cortada e dental dam: para sexo oral ou contato entre as vulvas, cria uma barreira de proteção;
- – Calcinhas de látex: permitem manter a sensibilidade durante o sexo oral ou contato entre as vulvas;
- – Luva: para proteger o dedo e a vulva (caso o dedo esteja machucado, com algum corte);
- – Observar a presença de verrugas e feridas na vulva, isso aumenta a transmissão de doenças;
- – Acompanhamento ginecológico constante e troca de exames com a parceira;
Se relacionou ou se relaciona com alguém infectado?
Se você teve uma relação desprotegida e está com medo de ter contraído HIV, hepatite e outras ISTs existe a PEP (Profilaxia Pós Exposição), ela está disponível pelo SUS e pode ser utilizada em qualquer situação em que há risco de contágio. A PEP consiste em um tratamento com remédios durante 28 dias e deve ser iniciada o mais precoce possível preferencialmente dentro das primeiras duas horas após a exposição e no máximo em até 72 horas.
Se você se relaciona com uma parceira que possui HIV ou tem um comportamento sexual de risco, além dos cuidados já descritos o uso da PrEP (Profilaxia Pré-Exposição) pode ser uma alternativa. A PrEP também está disponível gratuitamente pelo SUS e consiste na tomada de 1 comprimido diário que impede que o vírus causador infecte o organismo antes da pessoa ter contato com o vírus. Ela começa a fazer efeito após 20 dias e para seu sucesso é necessário tomar os comprimidos conforme recomendado. A PrEP não protege contra outras ISTs, portanto, deve ser combinada com outras formas de prevenção além de exames e acompanhamento médico regular.
Por fim, é necessário que os profissionais da saúde se atualizem sobre as mudanças que estão acontecendo na sociedade, visto que são eles os responsáveis por cuidar da saúde da comunidade. Existe uma necessidade importante quando nos referimos à consulta médica ginecológica pois as mulheres que optaram por se relacionar com outras mulheres além de possuir todo estigma que um relacionamento homoafetivo apresenta, elas também passam pela pressão social e tabus que a sexualidade feminina enfrenta até os dias de hoje. Sendo assim, precisamos ter mais sensibilidade no atendimento das mulheres como um todo, uma vez que a pergunta sobre orientação sexual raramente acontece pois vivermos em uma sociedade heteronormativa e isso pode acabar criando uma barreira de comunicação importante entre a mulher e o profissional que vai cuidar de sua saúde, podendo não trazer informações e condutas interessantes para o seu estilo de vida. Toda mulher tem o direito de viver sua sexualidade plenamente e com a sua saúde mantida independente da orientação sexual.
REFERÊNCIAS
1. ANDRADE, J. Vulnerabilidade de mulheres que fazem sexo com mulheres às infecções sexualmente transmissíveis. 2017. 77f. Tese (Doutorado) – Faculdade de Medicina de Botucatu, Universidade Estadual Paulista, Botucatu, 2017.
2. BR (Brasília – DF). Ministério da Saúde. Mulheres lésbicas e Bissexuais: Direitos, saúde e participação social. Ministério da Saúde, [s. l.], 2013.
3. FEBRASGO (BR). Manual de doenças infectocontagiosas. Febrasgo, [s. l.], 2010.
4. MINISTÉRIO DA SAÚDE (BR). Profilaxia Pré-exposição. Ministério da Saúde, [s. l.], 2020.
5. MINISTÉRIO DA SAÚDE (BR). Profilaxia Pós-exposição. Ministério da Saúde, [s. l.], 2020.
Fonte: https://vitallogy.com/feed/Saude+da+Mulher+Lesbica+e+Bissexual/1479