Estresse e má alimentação impactam produção hormonal, libido e saúde do corpo como um todo. Hábitos mais saudáveis e mudanças na rotina de mulheres e pessoas que menstruam podem prevenir o desenvolvimento de doenças.
Existem mil e uma formas de estressar um corpo. Muito trabalho, pouco descanso, alimentação inadequada, privação de sono e exposição frequente a situações conflitivas são clássicos em tempos modernos. Como muitas mulheres do meu entorno, creio ter gabaritado esta lista de castigos corporais de forma cotidiana, ao longo de muitos anos. Não me dei conta disso até o começo deste verão, quando meu quadro de dores da endometriose se agravou bastante.
No início deste ano, em janeiro, descobri um endometrioma de 4 centímetros em um dos meus ovários durante exames de preparação para colocar um DIU; seguindo a orientação de uma ginecologista, iniciei o tratamento com pílula anticoncepcional e… mantive meus hábitos de sempre—inclusive porque as cólicas menstruais quase desapareceram até junho, ocasião infeliz em que fui parar em um pronto-socorro com dores súbitas que iam além da minha compreensão de dismenorreia.
No hospital, após ser submetida a uma ressonância magnética, fui informada pela ginecologista de plantão que meu cisto, agora, media o dobro do tamanho inicial: 8 centímetros. Era um recorde de crescimento em cinco meses que, sinceramente, eu preferia não ter batido.
Depois de me consultar com o setor de endometriose no sistema público de saúde em Madri (Espanha), fui aconselhada a ficar um mês fazendo dieta e repouso absoluto até a data em que eles poderiam me atender com calma para marcar a cirurgia de remoção do endometrioma.
Enquanto a data não chegava, a recomendação expressa de descanso e alimentação natural seria uma forma de evitar quadros como torção ovariana—rotação ou torção do ovário ao redor de seus suportes ligamentares, o que pode bloquear o fluxo sanguíneo para o ovário e para as tubas uterinas—antes da cirurgia (1).
Quem tem endometrioma, tem medo
Em pleno verão madrilenho—em que temperaturas de 40 °C são o pão de cada dia—me vi obrigada a ficar pregada na cama dia após dia, evitando também o trabalho excessivo para não estressar (e, por conseguinte, inflamar) meu organismo. Durante duas ou três tardes, me rebelei e burlei as normas: em uma bebi, na outra carreguei sacolas pesadas de supermercado e na última, fiz uma grande caminhada para canalizar tanta energia vital contida. Em todas essas ocasiões, paguei a fatura pela desobediência médica com cólicas inesquecíveis.
Me conformei então com os fatos e passei um mês deitadinha, pensando em coisas bonitas, preferindo alimentos não-industrializados nas refeições e me abstendo de bebidas alcoólicas e outras farras, como atividade sexual.
Quando a data do retorno médico para marcação de cirurgia finalmente chegou, eu estava preparada para escutar notícias duras. Ali, eu seria novamente examinada e informada sobre o tamanho da intervenção de remoção do cisto, além de receber prognósticos sobre minha fertilidade e sobre o risco de remoção do ovário afetado pelo endometrioma.
Durante o exame, veio a constatação de que meu corpo havia batido um segundo recorde: ao longo dos 30 dias de bons hábitos, o endometrioma voltou a medir 4 centímetros—e meu caso não seria mais cirúrgico, a menos que eu preferisse que fosse.
O que o estresse tem a ver com tudo isso?
De acordo com a equipe médica que me acompanhou desde o incidente de dores agudas em junho até o exame com bons resultados em julho, meu corpo estava gritando por cuidados e descanso. É verdade que não há como cravar, cientificamente, quais medidas específicas foram decisivas para a melhora do meu quadro. Endometriomas aumentam e diminuem de forma mais ou menos arbitrária em cada organismo; por outro lado, é fácil apontar, cientificamente, como o estresse pode minar a saúde sexual de pessoas que menstruam.
“A endometriose é uma doença autoimune, portanto, o superestímulo do sistema imune faz com que o corpo comece a atacar a si mesmo. A exaustão e a ingestão de alimentos que favorecem inflamações no corpo são fatores agravantes para a endometriose e a dismenorreia (cólica menstrual)”, explica Ana Thais Vargas, ginecologista e obstetra da clínica Lumos Cultural, em São Paulo (SP). A Lumos é um espaço que reúne consultórios médicos de diferentes especialidades para acolher famílias que atravessam os primeiros anos de vida do bebê.
“Para além das cólicas, as quedas de imunidade também podem predispor a exacerbação de quadros que podem interferir na saúde genital, como recorrência de infecções por herpes, alterações de flora vaginal, proliferação de fungos (como a candidíase vulvo-vaginal)”, afirma a ginecologista Helga Marquesini, do Centro de Medicina Sexual do Hospital Sírio-Libanês, um dos mais importantes complexos hospitalares do Brasil.
Diz a ciência: mulheres sob alto estresse podem ter duas vezes mais chances de sofrer com cólicas (2).
A extenuação física ou emocional também está associada a níveis mais baixos de estrogênio, hormônio luteinizante (LH) e progesterona, e com níveis mais altos de hormônio folículo estimulante (FSH) (3). O estresse cotidiano também foi associado ao aumento das taxas de anovulação (ciclo menstrual em que não há liberação de óvulo) (3), condição que pode causar osteoporose e doenças cardiovasculares nos anos férteis e certos tipos de câncer em idade mais avançada (4-7)
O abuso físico, emocional e sexual tem sido associado ao desenvolvimento de síndrome pré-menstrual (SPM) (8) e transtorno disfórico pré-menstrual (TDPM) (9). O transtorno de estresse pós-traumático (TEPT) também tem sido associado ao TDPM (10).
Ainda falando em saúde sexual, a libido de uma pessoa extenuada por hábitos estressantes também é, com frequência, reduzida. “Isso acontece porque precisamos de descanso e boa disposição como combustível do desejo sexual, embora ele possa ser afetado por inúmeros fatores de ordem hormonal, psíquica e social”, esclarece a doutora Vargas.
Como evitar a fadiga do corpo?
Em um mundo que demanda tanta produtividade das pessoas—em especial das mulheres que são expostas a sobrecargas de tarefas profissionais e domésticas—o que podemos fazer para evitar que nossos corpos adoeçam (ou que não adoeçam com tanta frequência)?
Para Vargas, a rotina ideal seria aquela em que essas mulheres pudessem tirar um ou dois finais de semana ao mês para dedicar-se a si mesmas ou apenas ao descanso. “Sendo realistas, a gente sabe que quase ninguém tem essa oportunidade”. A Dra. Vargas lista outras práticas que funcionam:
- Entender os alimentos que inflamam nossos corpos—e isso varia de corpo para corpo,
- dormir bem,
- praticar atividades físicas.
“A atividade física é muito mais curativa do que as pessoas imaginam” – Dra. Ana Thais Vargas.
Na visão da doutora Marquesini, é preciso desconstruir a ideia de saúde somente sob o aspecto puramente biológico ou como o oposto de uma doença. “Felizmente, podemos olhar cada vez mais a saúde como algo abrangente, que abarca aspectos físicos, mentais e sociais”, opina. “Medidas como e tratamento e acompanhamento médico preventivo, alimentação saudável e prática de atividade física tem tanto valor quanto cuidados de saúde mental e da procura por bem estar também na esfera social e de relacionamentos”, completa.
Com essas dicas, podemos respirar um pouco melhor. Respirar melhor é, inclusive, o que tenho feito antes de me estressar de forma desproporcional com qualquer coisa que não valha o que vale a boa saúde.
Referências
- Michael PH, Jay RP. The Management of Ovarian Hyperstimulation Syndrome. Green-top Guideline No. 5, Royal College of Obstetricians & Gynaecologists, London, 2016. Disponível em: https://newbp.bmj.com/topics/pt-br/792
- Wang L, Wang X, Wang W, Chen C, Ronnennberg AG, Guang A, et al. Stress and dysmenorrhoea: a population based prospective study. Occup Environ Med. 61:1021–6, 2004. Disponível em https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/15550609
- Schliep KC, Mumford SL, Vladutiu CJ, Ahrens KA, Perkins NJ, Sjaarda LA, et al. Perceived stress, reproductive hormones, and ovulatory function: a prospective cohort study. Epidemiology. 2015;26(2):177-84. Disponível em https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/25643098
- Gorgels WJ, Graaf Y, Blankenstein MA, Collette HJ, Erkelens DW, Banga JD (1997) Urinary sex hormone excretions in premenopausal women and coronary heart disease risk: a nested case-referent study in the DOM-cohort. J Clin Epidemiol 50: 275–281. Pmid:9120526
- Xu WH, Xiang YB, Ruan ZX, Zheng W, Cheng JR, Dai Q et al. (2004) Menstrual and reproductive factors and endometrial cancer risk: Results from a population-based case-control study in urban Shanghai. Int J Cancer 108: 613–619. Pmid:14696129
- Grattarola R (1964) The premenstrual endometrial pattern of women with breast cancer. A study of progestational activity. Cancer 17: 1119–1122. pmid:14211783
- Iwamoto J, Takeda T. Stress fractures in athletes: review of 196 cases. Journal of Orthopaedic Science. 2003 May 1;8(3):273–8.
- Bertone-Johnson ER, Whitcomb BW, Missmer SA, Manson JE, Hankinson SE, Rich-Edwards JW. Early life emotional, physical, and sexual abuse and the development of premenstrual syndrome: a longitudinal study. Journal of Women’s Health, 23(9), 729–739, 2004. Disponível em https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/25098348
- Girdler SS, Leserman J, Bunevicius R, Klatzkin R, Pedersen CA, Light KC. Persistent alterations in biological profiles in women with abuse histories: influence of premenstrual dysphoric disorder. Health Psychology, 26(2), 201, 2009. Disponível em https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC2750879
- Wittchen HU, Perkonigg A, Pfister H. Trauma and PTSD–An overlooked pathogenic pathway for Premenstrual Dysphoric Disorder?.Archives of Women’s Mental Health, 6(4), 293–297, 2007. Disponível em https://link.springer.com/article/10.1007/s00737-003-0028-2
Fonte: Como evitar o estresse melhora a libido e a saúde menstrual (helloclue.com)